quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Das horas de Dina e Sam - a angústia

- Hoje eu me peguei pensando em coisas antigas, Sam. Em antigos empregos, na minha ex chefe! Aí me lembrei de que ela havia me recomendado um livro... Não me lembro o nome. Mas isso não é importante, acho. Ei, me lembra de contribuir para a Associação dos Idosos Vitimados por Alzheimer!


- Engraçadinha.

- Então. Ah, nada de mais, era só um comentário sobre anjos vindo à terra, como naquele filme do WW. O que me marcou foi quando ela comentou que eles haviam sido prevenidos de que sentiriam uma angústia e que dificilmente encontrariam a fonte. Claro que não acredito em anjos, gostaria, mas não acredito. Fiquei pensando nessa angústia. Será que o escritor era um cara só e por isso valorizava tanto isso de querer ser completo?

- Eu sou só, eu me sinto só. Cansei de falar que tenho medo de morrer sozinho e ouvir uns espertinhos retrucarem que todos morremos sozinhos. O pior de ser só é passar por extremos sem poder olhar para alguém e esse olhar significar alguma coisa. Não é só um negócio de ter gente por perto, é qualidade disso. Claro que eu posso ligar pra você, contar tudo. Ou esperar um dia e conversarmos pessoalmente. Mas ainda vai ser a Dina, que um dia vai pra longe, vai se casar, ter filhos, virar gente grande! O que eu sinto é um não preenchimento, não um vazio, é diferente. Está aí, eu sei. Faz parte da busca.

- Dizem que na floresta, as mariposas enxergam o brilho da lua e voam tentando alcançá-lo, aí se distraem com as árvores e ficam por lá. Mas nas cidades, a luz da lua é ofuscada por outras, artificiais. E ao seguir, são queimadas por lâmpadas. Mas nunca aprendem, continuam buscando e morrem queimadas.

- É triste.

- É sim. É como se a própria natureza nos enganasse. O que é desonesto demais...

Não continuou. Não porque tivesse ficado sem palavras, mas porque estava difícil se concentrar com as risadas dele.

- Só vou dizer uma coisa Samuel se você me ameaçar com casamento e filhos de novo...

sexta-feira, 9 de outubro de 2009




Lá longe onde as folhas caem sem fazer barulho, onde o vento é tão suave que as próprias árvores precisam se desprender dos frutos para que suas sementes germinem, bem lá longe onde faz diferença ser bom ou mau, era onde morava essa lagarta.


Claro que não era uma lagarta comum ou eu não estaria perdendo tempo escrevendo sobre ela. Com o perdão das lagartas comuns. Era uma lagarta irônica. E irritada. Muito irritada. Principalmente com o fato de que detestava sua vida de lagarta. Na verdade, o que realmente detestava era o fim da sua vida de lagarta. Borboleta. Urgh. Seria melhor morrer do que ao invés de um corpo tenro começar a ter pontas, articulações... Asas?! Quem gostaria de ter asas? Suas amigas diziam que fazia parte da vida ser borboleta e poder voar compensaria todo o processo. Toda a escuridão, toda a dor.

“Eu não”, pensava. “Bom mesmo é ter cem pés! É sentir o cheiro das flores e ao mesmo tempo sentir sua textura com todo o corpo! E se realmente existe um Pai de todas as lagartas ele compreenderá minha decisão de ser lagarta para sempre.”

Os dias foram passando, as flores foram murchando, e ela notava que cada vez menos lagartas se juntavam para contar a história do povo antigo. Uma única expressão de orgulho e inveja clareava o mistério: casulos! Todas estavam se preparando!

“Eu não serei pega de surpresa! Sentirei logo a mudança qualquer que seja! Prestarei atenção ao mínimo detalhe, à mínima mudança no meu corpo!”

E assim foi. Um arranhão aqui. Uma pintinha nova. Uma pequena dor de barriga! Nada grave. A não ser o frio nos pés... Isso sim incomodava! Mas além de irônica, era uma lagarta esperta e teve uma idéia! Enrolaria uma folhinha nos pés. Porém, o frio foi subindo devagarinho e ela foi precisando cada vez de mais folhas, pequenos gravetos... Quando já estava imobilizada quase até a cintura foi sentindo uma vontade de ficar assim, de aproveitar o tempo frio para pensar na vida, mudar algumas coisas! Seria bom ter a chance de mudar!

E foi assim. Sutilmente abraçada pela mudança. Até que o sono passou, o calor veio, as flores voltaram... e a borboleta esticou suas asas novas, enrolou a ponta de suas antenas e voou.

“Não faço idéia de como vim parar nesse emaranhado de folhas e galhos, mas foi bom sair e sentir o vento!”



quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Homens, mulheres, trânsito e ron rons - prioridades


Trânsito é uma coisa de homem. Eles pelo menos consideram assim. Hoje eu tive algumas experiências marcantes no caminho casa-paço-casa. Ao sair - atrasada, claro – parei em um farol e fui abordada por um vendedor de balas de hortelã. Nada incomum, não fosse o fato de que ele deu uma bela olhada para o painel do carro. Intrigada olhei também. A luz do combustível estava piscando! Não estava no limite, não estava vermelha... estava piscando! Em minutos ficaria parada, o que daria um ótimo assunto para ser discutido em outro post, gostaria de saber quantos me ofereceriam ajuda. Meu lema em punho, escolhi o posto mais próximo, mentalizei o caminho e fui. Comecei a subir o viaduto que leva para Santo André, nenhum carro atrás do meu, tudo sob controle. Até o carro ao lado acelerar e querer entrar na minha frente. Não, ele não queria simplesmente entrar na pista em que eu estava, ele queria entrar na pista só que na minha frente! Como se fosse humilhante ficar atrás de uma motorista. Ou pior: como se fosse humilhante frear até que o outro carro passasse. Homem que é homem não freia. Não dei passagem. Se houvesse algum carro atrás de mim, teria feito a gentileza.
Posto de gasolina. Ninguém me ouve, imagina o frentista acostumado ao transito da Av Atlântica. Atenção mulheres: nunca, nunca, nunca fiquem em uma posição em que não conseguirá ver o marcador da bomba. A chance de o frentista enrolar você é grande. E para não deixar de ser, o cara me mandou descer o carro! O chão era reto! Controlando minha irritação, apenas perguntei se era para frente que ele queria que eu fosse. Ele repetiu descer, eu repeti minha pergunta, ele concordou. Não sem antes fazer um comentário maldoso para os colegas, claro que não foi suficientemente alto, só vi as risadas. Ignorei, e segui meu caminho. Não sem antes quase atropelar outro frentista que muito provavelmente foi com a minha cara e queria que eu o notasse. Fiz cara de lobo faminto e fui embora. Vou me lembrar de nunca mais voltar lá.
Volta para casa. Ruas que se estreitam e viram mão simples são um prato cheio para homens. A passagem é sempre deles, claro! Instituída por Deus! Não importa se você estava na frente, estreitou, eles aceleram... Eu não deixei de novo. Nunca duvidem do poder de uma TPM em uma mulher naturalmente brava.
Pista lerda em que eu estava! Visualizei uma brecha na pista da esquerda e fui. Não sem que o motorista do Civic champagne acelerasse e tivesse sua mão subitamente atraída pela buzina. Nunca um Celta 1.0, com uma mulher no volante poderia ficar a frente de um Honda! Sacrilégio! Ele me seguiu até a entrada de um dos bairros mais perigosos daqui e sumiu. Eu fiquei pensando se não devia ter me arriscado menos.
Não quero reinar entre faróis e guard-rails, quero chegar em casa sã e salva para ouvir o ronronado do Cael! Mas por um instante eu me senti vingada!

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Das horas de Dina e Sam - o fora

- Posso dormir aqui, com vc?
- Tenho a impressão de que já ouvi essa frase em uma música, rs. Desculpe, piada fora de hora. Pode sim. Aconteceu alguma coisa? Sam, é uma pergunta simples... não precisa chorar se não quiser responder. Senta aqui no sofá, em dois segundos eu trarei um chá. – ele levantou uma sobrancelha – Só bebo aos fins de semana.
- Desde quando?
- Desde ontem. Volto já.
Sabia que Sam não era o mais bem sucedido dos homens nos relacionamentos. Talvez fosse mais fácil se não fosse gay. Ou não. De uma certa forma os relacionamentos são difíceis para todos. Apenas algumas pessoas têm o dom de acertar de primeira (ou de segunda, ou terceira... entende?), e acabam se casando com 21 anos, tendo filhos cujos nomes já estariam escolhidos desde a infância. Não brinco, falo sério. Tenho uma amiga que desde os 8 anos decidiu que teria um filho chamado Guilherme. Advinha qual novidade me contou após dez anos de distância? Estou ficando óbvia.
- Chá... Beba enquanto estiver quente. O que foi?
- Cor linda. Nunca tomei um chá vermelho. – fez uma careta – e nunca mais vou tomar! Bem, depois do segundo gole, melhora. Sabe quando a gente é criança, se sente doente, mas como nunca passou por todas as dores de cabeça da vida, não sabe como descrever? É assim que me sinto. Eu não sei e eu não consigo entender. Se soubesse como é, talvez pudesse desmontar e lidar com as peças uma a uma. Sei que dói e muito. E sei que vai passar, mas de forma tão lenta que eu vou carregar isso por anos! E mesmo que passe, sempre me lembrarei disso quando fizer as contas de quantos relacionamentos já tive. Sinto o vazio, a dormência, a vergonha. É como se eu soubesse ser uma fraude e tivesse tentado voar com minhas asas de cera. Eu caí. Certo? Eu acreditei uma segunda vez que pudesse ser diferente e fui sem reservas ao vôo.
- Sam, eu não vou conseguir consolar você então vou direto ao que penso. Acho que encarnar o sofredor vai fazer sua dor passar tanto quanto ficar sentadinho esperando. Pensa comigo, passou por joguinhos, por idas e vindas, por mentiras e mentiras... Foi apoio, cozinhou o prato preferido dele e teve que jantar sozinho! Não devia ter dado tantas chances. É claro que eram amigos, mas depois de misturados os ingredientes, não há controle sobre o resultado final, acho. E também não vejo meio de separar sem que haja um pouco de cada um no outro. Não é que eu valorize as experiências, sei com dói. Sei como é bom ter alguém do lado, poder contar as coisas pequenas.
- Sabe do que eu mais sinto falta? Daquela curva do pescoço... Gostava de colocar meu rosto ali e sentir o calor... Quer que eu me sinta agradecido por ter levado um fora?
- Não. Quero que você veja o céu tanto quanto vê a terra. Com asas de cera, ou não, ainda dá para aproveitar a paisagem. E além do mais... está na cara que estamos nos divertindo mais com a busca do que com os encontros! Cara, eu poderia matar por uma taça de vinho!