domingo, 13 de setembro de 2009

Das horas de Dina e Sam


-1-

- Ele morreu – ela disse colocando a bolsa sobre a mesa do bar.
- Quem morreu?
- Meu poodle, ele morreu ontem.
- Ah... – desapontado.
- Você achou que fosse... – ela o olhou inquisitoriamente.
- O idiota do Leonardo Stil, mas – suspiro – Deus não seria tão bom a ponto de mandá-lo para o inferno.
- Seria um problema de jurisdição – ela riu – e o Diabo talvez não o quisesse.
- O que você pretende fazer?
- Comprar outro. E não me olhe com essa cara feia de quem diz que não dá pra substituir todo mundo que morrer, não entenderia minha relação com cachorros. É vital.
- Vai beber ou não?
- Cadê o restante do pessoal?
- Só nós.
- Vamos ao álcool!
- Finalmente consegui.
- ...
- Trair meu homem sem culpa.
- ...
- Valeu a pena.
E depois de um tempo: - Sinto falta dele... Do poodle.
- Amarga.
- Você também seria.

-2-

- Você diz isso porque foi a Isa que fez, se fosse um de nós você perdoaria!
- Claro que não.
- Imagina, é fato. Se o seu pai pisasse no seu pé você o mataria, certo? – ela assentiu- Agora, se o grande amor da sua vida fizesse o mesmo...
- Eu aceitaria as desculpas – concluiu meio que a contra gosto.
Tomaram mais um gole e depois de um longo silêncio preenchido apenas por tragos e olhares desfocados para o exterior do bar, ela levanta, toma todo o conteúdo do copo, pega a bolsa , e diz, já saindo:
- Vou matá-la.
Ele se levanta também. E choram. Abraçados.

-3-

- O que você fez com o que sobrou?
- Joguei fora.
- Até o rinoceronte de pelúcia?
- Principalmente. Tinha o perfume dele.
- Patético.
- Também acho. Mas eu gostei.
- Eu sei. Eu também. E agora?
- Vou dançar um pouco. E depois que me recuperar desse porre digno de Kerouac, vou aceitar o trabalho. Fotografo um ou dois hambúrgueres e uns dois quilos de carne crua, e com o dinheiro compro uma passagem. Vou para uma cidade tão pequena que só vai ver onde fica se olhar o mapa com lupa.
- Você só vai causar tumulto lá!
- Hã hã. Causar tumulto e voltar.
- Jura?
- Não. – e olhando para fora do bar: - olha isso!
- A velhinha está batendo no cara com um lenço! O que tem dentro?
- Acho que são moedas, pelo barulho...

-4-

- Ouve isso: “ Acreditais então que ela ousaria levar minha cabeça coroada ao cepo do carrasco?”
(irritado)- Onde foram parar os picolés de uva dessa maldita cidade? Quem disse isso, Elizabeth?
- Não. Mary Stuart. – blasé – Você está tentando parar de fumar de novo?
(mais irritado ainda) – Como assim tentando?
(ela levanta os braços como quem diz: Desculpa, cara já estou mudando de assunto).
- Sobre o que eu estava falando mesmo?
- Você falava de amor. Há dias fala de amor...
(ele riu alto) – O amor sempre me lembra uma gatinha que tive. Ela acreditava estar grávida e começou a produzir leite.
- ? – outra baforada.
- O amor é como esse leite. Algumas pessoas produzem a mais e ele empedra. Atrapalha, vira atraso de vida. Quando eu era criança acreditava que “boca” era um palavrão. Hoje penso isso de casamento. Odeio essa palavra. Provoca reações inesperadas nas pessoas. Odeio mesmo.
- É porque você nunca se casou. E nunca achou a pessoa certa. Algumas pessoas pedem casamentos!
- Você acredita mesmo nessa tal de pessoa certa? – ela interrompe- Vocês estão juntos, está legal. Ótimo. De repente você quer mais, ou ele quer mais. E é muito difícil os dois quererem o mesmo tanto ao mesmo tempo. Você acha mesmo, de verdade, que é a pessoa certa para ele?
(ele passa as mãos nervosamente pelos cabelos) – Queria que fosse. Queria levar as coisas de um jeito mais leve, eu...
- O famoso deixar rolar – ela brinca como maço de cigarros – Pensa bem, é melhor assim. È mais fácil dizer adeus e ouvir adeus também.
- Tem mais um?
- Sorvete de uva?
(ele pega o último cigarro e acende)
- E vocês, o que falta para acabar?
- Falta ele correr atrás de mim...
- Moço, me vê dois maços de cigarros e mais uma cerveja – e virando para ele: Amor, sempre o Amor! A noite vai ser longa!

-5-

- Eu me lembro bem, Dina, da minha mãe. Algumas vezes ela chorava sozinha, do nada, e eu ficava nervoso, querendo saber os motivos. E com medo de saber a resposta. Ela foi... ela é tão forte. Um tempo depois- ele ri- quando fiquei grandinho e pude entender essas coisas ela me explicou. Toda a angústia de se achar tão pequena e insegura, não chorava pelo divórcio, chorava porque não tinha dado certo e não queria ser responsável por um fracasso tão grande.
- Sabe o que é uma droga? Ouvir: “ você fez o que tinha que ser feito!” Que grande besteira! Então por que o certo dói tanto? E por que, raios, a gente sofre tanto? Por nada?
- Quando a gente ouve essa frase está sofrendo mais com a decisão do que com a dúvida. E eu não questiono sua escolha, pode realmente ter sido o melhor a ser feito. Foi melhor que muitos passivos e confortáveis em sua inércia. Aceitam o mínimo, a primeira oferta. E tudo isso com medo de sofrer um pouco antes de se expor a algo melhor, a um mínimo de liberdade. Tomar uma atitude, qualquer que seja, significa força e coragem vencendo o comodismo. Minha mãe fez isso. Mesmo infeliz, foi livre. E você, Dina, fez o que tinha que ser feito! – ele riu – E não levanta essa sobrancelha para mim!

-6-

(ele volta do banheiro, acende outro cigarro e, ainda em pé, a encara) – O inferno é aqui!
- O Paraíso, também. Está tudo aqui. Sem vida após a morte, sem reencarnação, sem recompensas que transcendem ao tempo... Isso é tudo o que temos! A maioria das pessoas sabe disso, por essa razão somos inundados por frases como: “colha o dia!”. Se Deus existe, ele existe Aqui e Agora, para mim, para você, para aquele mendigo arrastando o carrinho ali fora. Mas Deus não poderia ser um. São vários deuses individuais, que se parecem comigo, com você e com aquele mendigo... Escuta, meu Deus não envia pragas como AIDS, que punem até quem não nasceu. Simplesmente não temos memória de supostas vidas anteriores. Minha alma não tem essa memória! Eu nem sei se tenho realmente uma alma! Tudo o que possuo é o que aconteceu em 24 anos! E se eu for esperto o suficiente, posso com isso prever o meu futuro. Fomos criados assim: feios, imperfeitos e pecadores. E mesmo assim, existe em nós o Belo, o Amor, a Vida! Se ele existe, minha cara, está em algum lugar dessa gigantesca maçã, cofiando a barba e dizendo: “Danadinhos!” Não superamos o Barbudão, seguimos juntos. E cada um de nós dá seus próprios passos. Eu sou o “capitão da minha alma”.

-7-

- Acho que você não diria uma coisa dessas quando pequeno. Não consigo imaginar uma criança não dizendo coisas do tipo: liberdade, igualdade e fraternidade. É quando a gente cresce que esse discurso para de fazer sentido. Nós nos juntamos aos nossos inimigos porque não conseguimos detê-los. E não é que eu não acredite em maldade infantil, essas crianças cruéis já nascem sem o que vamos perdendo. E nesse ponto elas podem matar, mentir ou dizer que não querem brincar com você porque é daquele ou desse jeito. Cinderela! Cinderela era tudo o que eu queria ser. Ela é forte e acredita em si mesma, não se deixou vender por tão pouco! Chegou, agarrou seu príncipe e foi ser feliz, eternamente feliz. E é nesse ponto que eu me perco.Já fui eternamente feliz algumas vezes. Mas acabou. O feliz pra sempre, acaba. Na primeira briga, na diferença de contra-cheques. Você é trocado pelo maior, menor, mais arredondado, mais ou menos culto. A grande pergunta é: queremos realmente achar aquilo que procuramos ou nos contentamos com a busca? Ainda é Cinderela! E depois que se casaram e que ele deixou a tampa da privada abaixada? Por acaso ela não tem cólicas, fúrias? A maioria de nós fica feliz com o caos. É outro tipo de vício: o das drogas que você mesmo produz, e aí o que mata você não é o cigarro, a violência, o enfarte. O que mata você é o Amor, a Tristeza, a Raiva. O seu corpo grita: decifra-me ou te devoro! Ou você aprende a conviver com o que provoca e consome ou entra em um processo autofágico. E esse aprendizado se chama adaptação. Meus parabéns, depois de adaptado você se torna um ser social. Seja bem vindo ao Inferno, eu sou Dina e serei sua guia... Ou para ser mais poética: Deixai toda esperança, ó vos que entrais!

-8-

(ele tira um papel do bolso e lê)
Aqui estou
De pé
Conversando e rindo
Novas idéias
Novos projetos
Nova vida
Com minha roupa nova
O que você não vê
São as cordas que me mantém
Assim, de pé, forte, bonito
Sorrindo
Simulando a segurança que você levou
Meu riso vazio
Minha conversa fiada
Meus votos de “vão para o inferno”
A todos que cruzam meu caminho
Meu amor, minha vida
Minha felicidade
Parte de mim
Ainda estou aqui
Com meus olhos brilhantes
Com braços abertos
De esperança!
Volte um dia e me tenha de novo
Volte algum dia
Volte.
- Quando terminamos, eu sempre achei que era a parte que amava mais. Não entendi sua distância. Entendo agora, quando você ama, é mais fácil fingir que não se importa tanto. Quase tudo é fácil, é burrice. Eu sou quem ama menos.

-9-

-Toda filosofia do mundo está nas ruas, Dina. Todos os filósofos que interessam estão bêbados, escorados em postes, em esquinas, em bares. Esbarrei com um espécime desses no mercado um dia desses. Era uma senhora, muito velha, com uma toca vermelha e um casaco marrom. Ela se virou, com uma lata de ervilha nas mãos e me disse que se nos preocupássemos menos em colocar alimentos e pessoas em latas, seríamos mais felizes! E eu pensei nisso por mais de duas semanas! Na metáfora da limitação! Da contenção! O limite espacial e o limite intelectual. E um leva ao outro, eles se fundem, se encontram como em um círculo: quanto mais longe você está do ponto de partida e mais perto da chegada é quando você está mais perto de onde você saiu!
- Sam, já parou pra pensar que ela passou em dois segundos o que pode ter levado uma vida inteira para aprender? De graça. Ali em um dia... É por isso que eu acredito em empatia. Você faria o mesmo? Ela faria o mesmo com outra pessoa? Falaria o seu segredo para o carinha que empilha as ervilhas?
- Uma corrente do bem, agora que acabo de passar o segredo dela para você! – ele riu. Há salvação para os homens de boa vontade porque entre uma lata de ervilha e um amaciante, dois iguais se encontraram... Como se reforçássemos o que pensamos apenas expondo, compartilhando esse pensamento.
- Ervilhas, hein? Vou prestar mais atenção quando for ao mercado.
Foram interrompidos pelo barulho metafísico de uma cerveja sendo aberta.
- Pensa bem. Somos complexos. Se falar algo delicado e parar para estudar a reação de alguém, em 99% das vezes, vai chegar a uma conclusão que vem mais do seu próprio julgamento do que do sentimento do outro. E vai com certeza catalogar em boa ou má. Definitivamente maniqueístas! Facilita a vida. Mas é falso. Aparente. Por isso o dinheiro é tão importante. Eu sou como você, levei um fora semana passada, fui humilhado na escola, elogiado no serviço, pratico sexo regularmente... Mas com um relógio que vale seu carro, pareço especial. Quase divino. O que você acha?
- Que eu passei minha vida inteira comendo sushi do jeito errado! Quando me levantar dessa cadeira vou procurar uma nova canção. Consigo me lembrar mais das músicas que marcaram os relacionamentos do que deles de uma maneira geral. Acho. Ou então, quando conseguir chegar até a rua, deva dormir como uma mendiga, encostada em você! Não, você não dormiria na rua... Tem um amor, tem que fazer por merecer!
E a Noite das Noites foi chegando ao fim...

sábado, 12 de setembro de 2009

Do porquê das coisas

Eu normalmente levo algum tempo para tomar decisões. Não saberia dizer se é defeito ou qualidade. Demoro e ponto. Uns dizem que tem a ver com o signo: librianos são os eternos indecisos. Coincidência. E coincidências não alteram fatos. Mas fui confrontada com um: “Por que você faz isso?” e sou obrigada a dar uma resposta satisfatória. Alguns dias depois eu decidi que já estava na hora de começar a pensar nisso.
1- O “porque sim” é infinitamente sedutor.
2- E não ajuda nada.
3-“ Porque eu me importo”
4- “Porque eu sou sua mãe” não cabe dessa vez... infelizmente, já que é a versão adulta do “Porque sim”.
5- Aqui é onde o “então...” entra e você se perde.
É preciso que tome partido, que defenda seus interesses, que venda seu peixe, que proteja seu ego, seu orgulho e saia intacto. Nada disso combina com a verdade, não no meu caso.
Caught red handed in the act.
Sujou.
Gulp.
Vamos aos fatos. Eu realmente me importo, senão não estaria brava, me descabelando para fazer com que seja diferente, com que seja leve e gostoso. Estou tentando deixar coisas para trás, atitudes minhas, tentando ser mais desprendida, não dissecar tanto os detalhes, não estudar personalidades e atos como se fossem problemas. Meus problemas.
Estou me sentindo exausta. Spent seria uma boa tradução. Bagaço. Pó. Pobre de mim que tenho dormido mal, se durmo, pensando em curar meus próprios calos. Pobre de mim que não posso ouvir de novo uma nova versão do mesmo fato.
Eu quero mudanças! Quero boas notícias! Quero saber que tem problemas mas que tem capacidade de resolver... Mesmo que saiba ou tenha a impressão de que pede minha opinião para que eu me sinta útil. Ou pode ser que seja a única brecha que encontrou para entrar em contato com a exigente libriana. Eu não tenho respostas. Não essas.
Mas está aqui uma vontade enorme de fazer as coisas funcionarem, de ter prazer em pequenos diálogos, em pequenos encontros. Reais. Virtuais. De não olhar para trás até uma distância segura, estátuas de sal sempre me impressionaram. De mostrar que minhas respostas a problemas simples são tão boas quanto aos complexos. De não encontrar orgulho onde não devia ter. Onde diz-se não ter.
Eu estava lá quando precisei.
Eu não sei lidar com fins. Muito menos quando não os quero. E ainda tem esse tal de mundo adulto em que eu faço parte de acordos sobre manter laços, quando o mais fácil é cortá-los e curar feridas antes de reatar as pontas.
Eu não sei perder.
Eu mantenho a palavra mesmo quando me faz mal.
Eu uso meu tempo para resolver seus enigmas.
Eu passo a você um poder que não possuo sobre meu próprio mundo.
Eu vou me envergonhar disso. E vou sofrer por isso. E me considerarei forte, desprendida, humilde e boba.
E estarei lá quando eu precisar.
Porque foi essa a decisão que tomei.

sábado, 5 de setembro de 2009

Da maternidade II

Eu quero ter filhos.
Ontem eu não queria, mudei de idéia! Eu tinha uma vontadezinha pequena de adotar, a vontade foi crescendo e agora já quero mais do processo.
Ao ouvir conversas de mães, fui montando meu ideal pouco a pouco. Que delícia que deve ser ensinar um serzinho, falar mil vezes a mesma coisa, assistir mil vezes ao mesmo desenho! Cansei de me dedicar a mim, somente a mim, meu umbigo... meu, eu, mim.
Eu tenho medo de ter filhos.
Eu tenho medo da responsabilidade. Tenho medo de errar, de criar um monstro, de não conseguir dar conta... Pra quem eu devolvo? Tem recall? Tem manual por acaso?
Meus pais nunca incentivaram nem maternidade, nem casamento... pensando bem, vou deixar meus pais para outro dia.
Ficaria mais fácil se já viesse pra casa um grandinho. Que soubesse o básico sobre ser bebê, já que a mãe não sabe... Mas eu não sentiria meu filho mexer... Não amamentaria em locais públicos, mas também não poderia passar meus anticorpos, meus genes, meu mau gosto. Eu ainda preciso pensar, ser mãe solteira por opção é bem mais difícil do que eu pensava! Exige preparo psicológico!
Mas eu quero. Muito.
Como vier, do tamanho que vier, vai ser uma boa criança.

Da maternidade

Cheguei mais cedo no serviço ontem, como isso não significa nada para ninguém, fui conhecer a sala de leitura do local. Quase ninguém por lá e várias revistas disponíveis. Fiquei com a Marie Claire (uma das melhores da prateleira, juro!) e fiquei intrigada com a reportagem de uma brasileira que havia decidido engravidar aos 53 anos. Controvérsias à parte eu apoio. Em primeiro lugar, apoio a decisão dela de mesmo sendo solteira, ser mãe. Depois de dois casamentos falidos, nos quais os maridos não queriam ter filhos, ela decidiu realizar um sonho. Quem pode condenar isso? Quem pode impedir uma mãe consciente em um mundo onde tantas mulheres engravidam, abortam, abandonam, maltratam? Quanto aos riscos, que mãe não corre riscos? Que mãe não conta os dedinhos do recém-nascido?
Ficamos sempre divididos entre o sonho e o certo. Esperamos que o sonho seja o certo. E se não for? Assumimos os riscos.
O bebê está bem, ela está ótima e eu estou pensando seriamente em fazer o mesmo no futuro.